As roídas de inveja - dedicatória a duas colegas
Tudo isto aconteceu há três dias
atrás, mas… como esquecê-lo? Chegava ao estacionamento e lá vinha a colega R. B.
com a sua herdeira. Veio logo a correr, aos gritos, a chamar por mim. Eu
entendi a sua reacção, até porque é algo que as pessoas fazem sempre que me
encontram, mas a menina ainda não tem entendimento e notei que se sentiu um
pouco desconfortável ao ver a sua mãe naqueles preparos. Não se deve sentir
vergonha de uma mãe, eu não sinto da minha, mas ela também nunca me saiu do
carro, a correr e a chamar por quem passa.
Mas dizia eu, a colega R.B., esse
marco de discrição, saiu do carro a chamar assim:
- Pchté! Eh! ‘Tão!
Confesso que, pela delicadeza do
chamamento e pela variedade vocabular, pensei
fossem os alunos a reagir à minha passagem, mas não. Era ela.
- Olá, R.! Então hoje trazes a
tua pequena M.? – respondi eu, num tom de voz bem colocado, para que, sem que
me obrigasse à indelicadeza de lhe dizer, ela percebesse que tinha de
estar à minha altura, coisa duplamente
difícil, dado o pouco mais de metro e meio de elegância que a colega ostenta.
- ‘Tão? – perguntou, carregadinha de modos e um sorriso rasgado.
Eu como não entendi a pergunta,
não sei se por ser um pouco vazia de sentido, se por causa dos meus problemas
de compreensão de enunciados orais, comecei a falar com a pequena M., que do
alto dos seus 10 anos, manifestou um discurso mais rico e incomparavelmente
mais coerente. E perguntei-lhe:
- Olha, queres vir à minha aula?
- Não! – respondeu a petiz de
imediato, enquanto balançava negativamente a cabeça e todo o seu pequeno
corpinho. Percebi logo que queria ir.
Ante o toque de entrada e a iminência
de ir para a aula de Matemática da mãe, decidiu, sem surpresa, ir para a minha
de Português. Os meus jovens alunos estavam a fazer o teste, então sentámo-nos
lado a lado a desenhar. Devo dizer que fiquei, perdoem-me, ficou impressionada
com o meu talento artístico.
Ao toque de saída, disse-me que
tinha gostado muito e até acrescentou:
- Para te mostrar que gostei
muito, sabes uma coisa?
- Não – respondi.
- Para a semana conta comigo! –
assegurou com a felicidade estampada no rosto.
Ora depois deste episódio, já à
saída da escola, encontrámos quem? Naturalmente, a colega I.O. que anda sempre
a fazer-se notar para ver se entra aqui. E se muitas vezes a ignoro, ali não o
podia fazer. Ao aperceber-se da vontade da pequena em voltar a ir à minha aula,
sabe, caro leitor, o que lhe disse?
- Olha, queres ir à minha aula de
ciências? Vai ser uma aula prática, vai ser muito gira! – isto acompanhado
daquele sorriso que já se lhe conhece e que até enerva.
A petiz vacilou. A pequena ainda
não aprimorou o gosto e parece que é a sua disciplina favorita. A mãe, essa,
incentivava-a, enquanto me enfrentava com um olhar ressabiadíssimo. A colega
I.O. olhava-me, também, desafiadora. Eu, cá mantive a elegância e só disse:
- ‘Pá aula de Ciências, sim, giríssima, só pedras , uh uh, isso sim,
uma aula, ahhh…
E a passos largos subi as
escadas, esbracejando e maldizendo o mundo.
E assim foi o dia.
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