Subjetividade em cama de alface aromatizada com "coisinhas"




Entrei na sala e lá estava ele. Com ela. Não a mesma, claro, que o moço tem coração que chegue para todas as moças. Desta vez, a eleita foi a colega M., a quem ele, em nome do cavalheirismo, cedeu a cadeira, mesmo nas minhas barbas. Depois, esgueirando-se e de olhar entornadíssimo que só visto, perguntava-me se lhe arranjava uma moedinha, que não tinha e precisava de tomar café. Que sim, disse logo eu, mas, desengane-se, caro leitor, não havia no meu gesto qualquer vislumbre de embevecimento amoroso. Antes pelo contrário, disse-lhe logo um "está aqui, mas toda a gente vai saber que me deves dinheiro". Eu disse aquilo na brincadeira, claro, não vou agora fazer alarido do dinheiro que o colega P.C. me deve.
Mesmo à hora de ir para a aula reparei nela, graciosa, de marmita do mais fino plástico na mão, parecia que os seus passos vinham dar aos meus. Estremeci, adivinhando o  pitéu que transportava, mas antes mesmo de manifestar a fome que assolava este meu corpinho, a colega E.C., fez-me logo ver, num algarvio que já não sei reproduzir, que não partilhava nada comigo. Ainda assim, esperançosa, lancei o meu olhar faminto para aquilo que seria o seu almoço. De imediato, entendi porque está mais magra, é que nem ela pode com aquelas lascas de queijo, em cama de alface deslavada. Afinal, o que parecera uma indelicadeza, fora, na verdade, um nobre gesto. Obrigada, E.C.
Depois da aula, lá fui desempenhar, nobre e competentemente, o meu cargo de Directora (de turma). Comigo estava a colega E.C. e depois entrou a Dª. E., nossa gestora, que vinha pôr papéis nas gavetas das turmas. Eu, como sou muito ciosa das minhas coisas, perguntei logo por que que é que ela estava a mexer na minha gaveta, enquanto reparava num documento que lá se encontrava e que era do ano lectivo anterior.
- D.ª E., mas isto é do ano passado! – constatei.
- Oh professora, isso é lixo, ponha noutro lado – disse ela, matreira. (Sabe muito, a Dª E.)
- Oh E.C., qual é que é a tua gaveta – perguntei eu, inocentemente.
A colega E.C. é que não foi na minha inocência e disse logo que não queria nada daquilo lá na gaveta dela, que era o que faltava. Eu disse que estava a brincar. 
Mas que eu não quero aquilo na minha, não quero.
Duas horas depois, num intervalinho (o diminutivo não é uma hipérbole!), pedi à colega C.M. que fosse comigo ao portão. Que não, dizia ela, carregadinha de vontade de ir, que sim, insistia eu, que não, que sim, até que:
- Só vou contigo se aparecer na crónica de hoje – dizia, já ajeitando os fios de cabelo, porque quando é para aparecer, a colega C.M. tem de estar irrepreensível. Ora o intervalinho estava a passar, ora a C.M. do alto das suas sandálias não se despachava, ora que tentava correr, ora que comecei a antever uma tragédia. Como sou muito precavida, disse-lhe:
- C., por amor de Deus, tu não me caias daí! 
Ela, pelo grande amor que tem ao Senhor, disse logo que não caía e eu fiquei descansada.
Quando voltámos para a última aula do dia, ao encontrar a colega D.G. da direcção, decidimos falar sobre a nossa motivação, que é muita e que o que é preciso é haver alegria. Foi assim que entrámos na sala de professores, comigo a dizer
- Motivação, colegas, ânimo! Tudo para cima! – referindo-me ao ânimo e à motivação, claro está.
Quem aparece que não entendeu assim foi o colega P.C., que lá do fundo da sala, de ar erudito e douto sorriso, perguntou:
- Isso é uma metáfora?
Eu, que não coro, ruboresci.
Finalmente, a última aula do dia. Subjectividade para aqui, objectividade para ali, quem é que me explicava a diferença, e diz o jovem P. C., depois de lhe pedir que pensasse antes de dizer e de ele me assegurar que desta vez havia pensado:
- Atão, subjectividade é assim, tipo, que não se entende logo...
- Estás a ir bem – disse eu, pondo em prática a pedagogia do reforço positivo.
- Oh pressoratou a ir, mas fico já por aqui. – disse, sorridentemente derrotado.
Foi, então a vez do Q.S., escutem isto:
- Professora, objectividade é logo e a subjectividade tem de se dar uma grande volta – sorri-me. É que isto arrumadinho dentro de outras palavras está certíssimo.
Depois, e já enquanto lhes ditava uns apontamentozitos, que eu sou muito antiga e ainda dito coisas, lá disse: “ponto final”, ao que a L.G. perguntou:
- Isso é na mesma coisinha?
Queria ela perguntar se era parágrafo, claro, mas o A.T. fez logo referência às “fotos do coisinho”, isto para grande agastamento da T.B., que revirava os olhos, enquanto eu a imitava, não fosse ela notar que me estava a rir a bandeiras despregadas.
E assim vão os dias.

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