Eu entrei na aula e disse que
queria começar a trabalhar, o que é natural, pois sinto que um salário como o
que o sr. Ministro me paga tem de ser merecido. É por ele que me entrego a cada
aula. Pelo salário, entenda-se, que eu tenho melhor partido.
Mal começo a corrigir uma fichinha
(sim, que eu cá não brinco e ele é fichinhas
a toda a hora), a T.B. voltou à expressão da sua revolta. Que entende que o
feminino de rouxinol, em vez de
rouxinol-fêmea, tem de ser rouxinola.
A petiz disse aquilo com tanta veemência, que fez com que lhe perguntasse, o
porquê da sua convicção:
- Oh pressora, ‘tão não vê que
assim só se escrevia uma palavra?!?
-Tão não vejo, T.?!
- É que rouxinol fêmea são duas palavras e isso assim dá mais trabalho, percebe?
Eu percebi e até lhe tenho de dar
alguma razão. É que, parecendo que não, há todo um investimento a vários níveis:
ele é o tempo que se perde, ele é a tinta da esferográfica que se gasta, ele é
todo um movimento de dedos e pulso que, repetido, é tendinite na certa. A aula,
como pode ver, caro e paciente leitor, até estava a prosseguir dentro da calmaria
pedagógica que se deseja para o processo ensino-aprendizagem, porém:
- Ai! A ambulância!! ‘Tá ali, nã vêem? - a má dicção que aqui se transcreve pertence ao
nervosismo da M.E., sempre preocupada com o bem-estar da humanidade.
Logo se alevanta o burburinho de quase todos os diligentes jovens,
dispostos a tudo para saber quem era o(a) aleijadinho(a). Quase todos, caro
leitor. Faltava a T.B., a quem a revolta da rouxinola
lhe paralizara no rosto um sinistro sorriso. Com as mãozinhas juntas, os dedos
entrelaçados e o olhar perdido num lugar só dela, exclamou com perfídia:
- Oh, quem será?
Confesso que ao olhá-la se me arrepiaram
“as carnes e os cabelos” de ouvir e vê-la.
Depois, ainda naquele transe
obscuro, assegurou que sabe sempre as horas a que todas as turmas estão no
ginásio, para saber quem se aleija. Eu, que até aqui tinha sentido algum medo, ao
ouvir isto decidi que nunca vou aborrecer esta jovem e que se ela quiser nem
precisa mais frequentar as aulas, que lhe asseguro a minha melhor positiva. Que
eu cá sou justa e essas coisas, mas prezo muito o valor da vida. E a
expressão que lhe vi, mostou-me que é capaz de qualquer coisa.
Depois deste sinistro momento, a
aula prosseguiu, mas eu estive já sempre com um olho no burro, outro no cigano, não fosse o diabo tecê-las. E foi neste ambiente agradável que o
P.C. fez um comentário que não entendi, tendo-lhe perguntado o que dissera.
Ouçam esta pérola:
- Nada pressora, o que é mais extraordinário é a pressora ainda achar que eu digo alguma coisa de jeito.
Antes de manifestar qualquer reacção,
olhei para a T.B. para ver qual era a sua. Como se sorria, eu também esbocei um
sorriso. Não é que eu seja medrosa, mas depois de tudo o que lhe ouvi, achei por
bem tomar alguns cuidados.
Assim, de repente, rouxinola até nem soa mal...
E assim vão os dias.
0 Comentários:
Enviar um comentário