Enganem-me!

 

"- Finjam, enganem-me! Uma mentira piedosa!", peço-lhes.
Que sim. Que no fim diriam que tinham gostado do poema que eu levava nos bolsos. Que o fariam com a classe que lhe pedira. Que não me queriam ver triste.
(Eles não sabem que nunca me deixam triste e eu nunca lhes vou dizer. Não sou dessas coisas.)
Vamos andando pela aula, desbravando os versos, virando-os do avesso e, nesse enquanto, reparo no N. , naquele jovem simpático, um pouco alheado. O N. está participativo. Poucas vezes o faz, adentrado que anda nos seus pensamentos. Sem que se aperceba, olho-o muitas vezes. Para não o perder. Ele que, tantas vezes, se me escapa.
E lá sigo (seguimos) pela aula. A minha voz e as deles. E o N.. Desperto.
Que tenho muita sorte por ter gente com eles com quem partilhar esta minha insanidade que roça a lucidez. Sorriem. Contentes. Eu também sorrio e outra vez essa fugaz comunhão. Essa fugaz plenitude.
Soa a campainha. Ainda ficamos para as notas finais. Depois despedimo-nos. É então que o N. se aproxima:
- Prof., não me leve a mal, mas eu tenho mesmo de dizer isto: nunca gostei tanto de uma aula. Para mim, nunca deu uma aula tão boa como esta. Obrigado!
Dita-me o coração que lhe peça um abraço. E agradeço-lhe também.
Depois arrumo os papéis. Pego na mochila e saio. Faço o corredor. Tenho os olhos marejados e a certeza de ter escolhido bem, quando decidi que queria ser professora.

CONVERSATION

0 Comentários:

Enviar um comentário