Oremos. Oremos muito

 

 

Dez da manhã, tempo de pregação. Como sempre, enredámo-nos, eu e o tempo e quando reparei na hora, a hora já tinha passado e fiz o que sempre faço, em nome da forma física e da falta que não quero ter: corri para o elevador, onde encontrei a L. e a S., que me deram boleia. Que estou muito atrasada, disse-lhes, enquanto elas, pachorrentas trocavam histórias e sorrisos. À abertura da porta, empurrão numa, empurrão noutra e lá continuei a minha maratona pelo corredor, com grande prejuízo para o alinho dos meus caracóis saltitantes.

Cheguei. Desculpei-me. Entrei na sala e ia dizer aos discípulos que tinha corrido muito, que estava muito cansada, que a vida se me estava a escapar (gosto de eufemismos!), mas qual quê, já a jovem M., delicada e educadamente se me aproximava, colocando-me a seguinte questão:

- Professora, não precisa que nenhum aluno lhe vá comprar uma água?

É certo que os jovens são medianamente simpáticos, mas daí a serem tão prestáveis vai um longo caminho. Rápida e perspicazmente percebi que alguma armadilha me estava a ser preparada. Vai daí, surpreendi-a e respondi “não!”, mas fi-lo como quem espeta um punhal e ela sentiu-o e empalideceu. É claro que precisava que algum deles me fosse comprar uma água, mas eu estava a enganá-la para a desmascarar e às suas intenções. E como se esta resposta não bastasse, ainda lhe cravei uma interrogativazinha: “Porquê?”. E foi naquele momento que a máscara caiu. A petiz queria água, mas não era capaz de assumir essa necessidade, então quis servir-se da minha sede para satisfazer a sua.

A M. foi desmascarada à frente de toda a turma. Palpava-se a tensão asfixiante. Um silêncio comprometedor desenhava os gestos e as vozes. Não conheciam o meu lado frio.

- Eu ontem segui a professora no Insta e a prof. Não me deu follow ! – disse o V. (com Y), que andava ali na vidinha dele e tudo isto lhe estava a passar ao lado. É claro que, a formação académica em disciplinas de Didática e a prática letiva que tenho no currículo, foram determinantes para não me acobardar ante esta situação limite e, de peito à bala e dedo em riste, retorqui:

- Ou estás atento até ao fim e dizes que gostas muito de Literatura, ou nunca terás o meu follow.

Sei que fui dura e ele não estava à espera. Nem ele, nem os demais. Mas tenho a certeza de que perceberam de que não estou ali para brincadeiras.

Fechei a porta e fui-me embora. 90 minutos depois, claro está, e entrei noutra sala, com novos fregueses. Como estão, como não estão, onde é que ficámos na matéria, ah, sim, já me recordo, elogios aos peixes, então vamos lá!

- Íamos elogiar o peixe-espada – informou-me a C., segura e orgulhosa, mostrando, inclusivamente o apontamentozinho “peixe-espada” na margem do Sermão.

Sou sensível, sou dada a sentir muitos sentimentos, por isso, foi com toda a calma e um sorrisinho entre a incredulidade e o vou-te matar que lhe respondi:

- Oh, C., disse eu, mas não há nenhum peixe-espada…

-Ah, mas a professora disse, eu apontei e tudo! – insistia.

Nisto, já o F. também garantia que eu tinha dito, que também tinha tirado o apontamentozinho.

Segura de mim, mentalmente, comecei a colocar a hipótese de, num qualquer momento de loucura, que amiúde me acontece, ter dito que Padre António ia discorrer sobre um peixe-espada.

Foi então que a A. esclareceu tudo:

- Vocês são mesmo estúpidos! – disse ela. A professora disse que ia comprar um frango para o almoço e eu sugeri-lhe que ela fosse provar o peixe-espada da Mena!

Quando a petiz desfez o mistério, olvidei-me dos sentimentos que sinto e gargalhei, pese embora o facto de a expressão “…provar o peixe-espada da Mena” poder levar a interpretações desviadas, mas disso não quis eu saber.

Na verdade, o peixe-espada da Mena não sei é coisa para lamber os beiços já o meu frango assado, soube-me a glória, depois de uma manhã pelas ruas da amargura.

 


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