Há dias assim

 


Desinteressantes e desinteressados.Esta foi a imagem com que fiquei deles, após a primeira aula. No início da segunda, não me apetecia entrar, sentia-me só, achei que não valia a pena, mas fiz o meu papel e a opinião inicial foi confirmada.

Aulas depois, elogiei-os. De facto, com todas as dificuldades que têm, tinham trabalhado muito bem. A resposta da S. ao meu comentário, não se fez esperar:

- É a única professora que diz bem de nós! – enquanto o dizia, os restantes manifestavam a sua concordância.

Sorri, mas saí da sala a pensar no que me dissera.

Ora, um destes dias, a propósito de poesia e de amor, entrei receosa, dá-me medo quando me sinto só na sala de aula. Lá lhes disse o que pretendia, uma frase sobre o amor, e que ia fazer esta atividade em todas as turmas, mas que tinha a certeza de que nesta iria ter os versos mais bonitos. A S. voltou a comentar. Desta vez:

- É a única professora que ainda acredita em nós.

Pedi-lhe que não dissesse aquilo e calou-me com um:

- Mas é verdade, professora!

No fim da aula, e vendo o resultado da entrega de cada um deles e os versos que escreveram, agradeci-lhes, e pedi-lhes que não voltassem a dizer que eu era a única professora que acreditava neles. Depois do que haviam escrito, pedi-lhes que pensassem um pouco na imagem que têm deles próprios, pois é essa que não os deixa avançar. São eles os primeiros a rebaixarem-se, a anularem-se. Pedi-lhes, também, que não se maltratassem.

A aula terminou e a coadjuvar-me estava a H., que comentou que assim é que devia ser o Português , em vez se se perder tanto tempo com tantas coisas inúteis. Entendi-a tão bem. E senti-me compreendida.

Hoje, após um exercício de escrita, a partir de um poema autobiográfico de Bocage, foi dia de ler os autoretratos que haviam feito. Num misto de vergonha por se mostrarem e um grito de ansiedade para se mostrarem, lá chegámos a um acordo, eu leria os textos, mas sem identificar o aluno. E assim foi. Ou quase. Por mais de uma vez, marejaram-se-me os olhos e a voz saíu entrecortada. Olhei para o fundo da sala e reparei que a H, minha colega de coadjuvação, lutava, também, para conter a emoção: eram as palavras, muito além do trivial, eram as metáforas que nem sabiam que tinham feito, era a preocupação com a rima, era a entrega em cada verso. Era, acima de tudo, o desconhecido manancial de beleza e encanto e vida que corre dentro deles e que os torna tão genuínos.

A estes jovens quero pedir desculpas pelo juizo que fiz, quero dizer-lhes que o valor que têm vai muito além da percentagem que eu tiver de converter em nível no fim da cada período e,  acima de tudo, quero agradecer-lhes o facto por me terem feito redescobrir o privilégio que é ser professora.

A cada um de vocês, obrigada.


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