Como é sabido, as minhas aulas são aulas onde cabe tudo. Com modos e o devido respeitinho, claro está. Hoje houve tiros. Coisa digna de título gordo em qualquer jornal norte-americano. Quase um massacre, a bem da verdade.
Enquanto desfiava a materiazinha, senti que os petizes estavam a respirar mais da conta, então, comecei a silenciar-me para que escutassem o seu eu interior, uma técnica ancestral que vai ao encontro de muitas modas de hoje em dia. Mas qual quê, quando aparentemente tudo estava a serenar, irrompe do silêncio o estrondo de uma arma:
- PUM, PUM, PUM, está tudo morto!
Era a S., que, tentando auxiliar-me, com ar tesloucado sorria descaradamente, por saber que matava dois coelhos de uma só cajadada: roubava-me a expressão e com ela calava a vida de inocentes. Felizmente a pontaria falhou-lhe e como um bom comandante não abandona o navio, em vez de desatar a fugir, enfrentrei-a! Destemida, sabendo que tinha nas mãos tantas vidas, atirei, sorridente, um:
- Olha lá, onde é que compraste a espingarda?
Vendo-se encurralada, não lhe restando mais nada, confessou:
- No chinês.
E todos os outros respiraram de alívio, olhando para mim como se olha para os heróis. E no seu silêncio percebi que teria a sua gratidão para sempre.
Depois deste episódio, tudo decorreu dentro da normalidade, e enquanto todos registavam os apontamentos que projectava, o S., descontraidamente, até dizia para os seus botões: “Não sei o que estou a escrever, mas deve ser isso”. Uma frase que me faz confiar nos resultados académicos desta gente.
Já com outra turma, o mesmo relambório, e a propósito dos jornais dirigidos a um público restrito, comentei o “Jornal de Letras”, ao que o P., que tudo faz para aparecer aqui nas crónicas, e toda a aula se esforçara para o conseguir, me perguntou:
- Então há um “Jornal de números”?
Eu nem tive tempo para reagir, pois o Q., com um sorriso largo e de olhar brilhante, gargalhou um:
- Sim, e vai aparecer no título “8 mata o 6”!! – e continou a gargalhar.
Eu tomei nota.
Quem se apercebeu disso foi a M., que lá da última mesa me perguntou:
- Ah, pressora, vai por isso lá no coisinho?
Ora, com isto, se justifica a resposta que dei à D.ª S., quando, depois de meia hora a fazer-me fotocópias me perguntou:
- Professora, está tudo? Está acabadinha?
- Com os pés para a cova, Dª. S., obrigada! – sorri-lhe eu, sabendo que pouco me restam destes dias de parca lucidez.
E assim vão os dias.
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