Cada vez gosto mais do que faço,
muito por culpa do que o que faço me obriga a fazer: entro às 13:30, saio da
primeira aula às 14:15h e entro na segunda às ... 14:15h, sendo que entre uma
sala e outra há uns bons quilómetros de permeio. “Que hipérbole!”, já vos ouço
dizer. Muito embora aprecie a utilização (ainda que errada) desse recurso
expressivo, não posso apreciar a apreciação que fazem dos passos que tenho de
dar, pois sou eu que sinto escangalhar-se-me tudo neste corpo, que ainda que
perfeiteinho, não vai para novo. Quando entrei na sala, grossas bagas de suor
escorriam-me por estas já quase mirradas maçãs-do-rosto e, dos membros inferiores,
só sentia as borregas nos pés de
tanto caminho feito. E ainda estava a meio do calvário que me esperava.
Parêntesis vocabular
Antes que me imaginem, destemida e com
os ossos a ranger, a caminhar pelos
pátios da escola com duas borregas presas aos pés, saibam que borrega(s), nesse
meu país distante que é o Alentejo profundo, são bolhas nos pés. E como somos
uma aldeia global, as terras além do Tejo já se fazem ouvir de outra forma e
devem ter gritado tanto, que o próprio Priberam já contempla esta definição.
Fim do parêntesis vocabular
Comecei a aula e, ante a
iminência de marcar uma falta de material, recorri ao Plano B e ofereci um
lápis ao F., não sem antes lhe dizer que não sabia de quem era, que
provavelmente o teria roubado a algum aluno no ano anterior, ao que o D.,
perspicaz, concluiu: “Então a professora rouba!”. Ele não devia saber qual é o
feminino de ladrão, por isso improvisou e pelo improviso, em vez de me ofender,
confirmei, adiantando que é mais forte do que eu, que não me consigo controlar.
Discretamente, alguns jovens começaram a proteger os seus pertences. Gosto de
impor o meu respeitozinho.
Montes e vales percorridos, qual amazona
destemida, cheguei à outra sala. Estavam todos ansiosos, um até me disse “Está
3 minutos atrasada”. Deu-me vontade de lhe bater, mas ao pôr-me no lugar do
petiz, senti-lhe a tristeza por já ter
perdido esses três minutos de uma aula de excelência e até lhe sorri. Pensei
também fazer destas corridas um desafio, a ver se melhoro o tempo que faço
entre uma sala e outra, que é como quem diz a ver se encurto a viagem até ao
caixão.
Na aula, o P. disse que era
insuportável, eu concordei, até porque gosto de eufemismos. Disse também, o
Pedro, que 2ª feira vai “fazer qualquer coisa para ir para lá”, o adverbiozinho
refere-se aqui ao blogue, às crónicas. Quer a imortalidade, o jovem!
Depois disto, esgotada, fui ter com
outros petizes. Estes, até para respirarem precisam da minha ajuda...dá-me cá
umas ideias... 90 minutos depois esperavam-me os últimos. Eu, já
esfrangalhadinha, só me ocorreu dizer-lhes: “Vamos todos fingir que estamos entusiasmadíssimos,
que são 8:20 da manhã e esta é a nossa primeira aula” e lá levámos a coisa,
ansiosos pelo intervalo das 10h.
E assim vão os dias.
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