Cesários Verdes

 


O Eng.° andara a sondar a Cátia no sentido de saber se tinha inscrições para a segunda sessão do Projecto "AgroFitness AEJD". Que sim, assegurou-lhe, mas ele, claro, em vez de ter tudo preparado, o que fez? Trabalho de gabinete, que é como quem diz pôr-se à frente de um computador e ensaiar um semblante de quem está muito ocupado. Vai daí, cheguei com a Escarduça, fomos para a horta e, na horta, ficámos nós, os passarinhos, os caracóis e os patos. Por um lado, ainda bem, já que tive de a ajudar a descalçar-se, momento que se revestiu de alguma tensão, pois quis tirar as sapatilhas sem desapertar os cordões, obrigando-me a puxar-lhas e levando-a a posições que não descreverei, em nome da protecção da sua dignidade. Depois, foi a vez do elogio às galochas. E se as sapatilhas são uma imitação barata de qualquer marca, as galochas, fez questão de frisar, embora muito velhas, são da Benetton. Lembrei-me logo do guarda-chuva da outra, que anda muito desgostosa, porque praticamente não lhe deu uso.
Ora eis que, ao longe, com o seu ar atarefado, avistámos o Eng°, de braços no ar, a saudar o proletariado, que gosta sempre de uma simpatia. Foi logo buscar as ferramentas, deixando claro o nosso papel e, com toda a naturalidade, foi-se embora, que tinha de ir comprar as alfaces e mais não sei o quê. Entretanto, veio a Cátia, com os caracóis a saltitar. Que o que é que havia para fazer, que estava muito cansada e que o melhor era coordenar o que nós fazíamos. A Carla, que é muito pela coordenação, vá de dizer que se lhe juntava e criavam ambas uma equipa de monitorização do meu trabalho. Eu, sempre em silêncio, continuava a cavar. Eis que volta o Eng° e vá de dizer que tinha de se reunir com a Equipa de Monitorização para dar orientações para a plantação. Eu, silenciosa, cavava. É quando chega a Helena, boa tarde, como estão, o que é que há para fazer, perguntava. O Engº., de braços no ar, respondia que muita coisa, ao que ela propôs uma reunião para de planificação com ele e com a Equipa de Monitorização, enquanto eu cavava, mas já com o sangue a começar a ferver. A tarde caía e andava eu, de joelhos no chão, a plantar as alfaces, tentando criar o "matizado" sugerido pelo Eng°, quando aparece a Cátia, muito desempenada, olha para o meu trabalho, baixa-se, e diz que também quer plantar, mas que, por favor, lhe tire uma fotografia, que tem p'raí uns mil seguidores no Instagram, a quem gosta de mostrar a sua vida multifacetada. Faço a fotografia e apercebo-me de que as outras chefias estão de rabo para o ar a tentar "salvar" um pequeno chaparro que, acidentalmente ali tinha nascido. No enquanto, a Carla também apanhava caracóis, que ia soltar na outra ponta da escola, uma vez que, segundo dizia, "são muito rápidos, por isso temos de os deixar longe, para que não comam tudo na horta".
A tarde findava. Eles tiveram reuniões, salvaram chaparros e caracóis e encheram as redes sociais com fotografias oportunas, eu cavei três canteiros, plantei tomates, pimentos e curgete, reguei, apanhei a erva e, no momento em que endireitei as costas, ouvi o Engº. dizer à Equipa de Monitorização, "Que grande trabalho de equipa! ".
Assim são as coisas.
Eu cá, quando me levantar desta cama, donde escrevo, e onde estou entrevada com dores nas costas, vou fazer um crachá, pô-lo ao peito e juntar-me à luta dos agricultores deste país.

CONVERSATION

0 Comentários:

Enviar um comentário