Corações bonitos

 

Como em muitas outras escolas, também na minha, como forma de protesto contra o ME, há professores a cancelar todas as atividades extracurriculares. Sou uma delas, razão pela qual devolvi hoje a mais uma turma o dinheiro que havia recolhido para a ida ao teatro. Tudo muito pacífico, até porque expliquei aos alunos as razões que determinaram esta decisão. Terminada a aula, a C. pediu-me que a esperasse no fim da aula seguinte, porque iria ter comigo para uma conversa privada. Perante o meu semblante sério, decidiu tranquilizar-me: "Não é nada para se preocupar, não fizemos nada, a sério!" Fui e, ao toque de saída, lá estava a C., como delegada, o D., como subdelegado e a M. que disse estar só "para ver a cena".
- Aqui me têm, o que se passa para ter aqui tão honrosa comitiva?
E começam os rodeios:
"Que nós sabemos que a professora é orgulhosa, que é muito recta, que vai dizer já" nem pensar", que..." E eu a ouvir e a sentir que, a qualquer momento, me iriam fazer "saltar a tampa", até que, ante a minha impaciência, a seriedade do D. e o divertimento da M., que estava a "assistir à cena", a C. remata assim:
- A professora hoje devolveu-nos o dinheiro do teatro, não é? Então, estivemos a pensar que, com a greve, vos descontam muito no ordenado e decidimos que este dinheiro será o nosso contributo para ajudar os professores em greve.
Incrédula e emocionada, mas sem o manifestar, que eu cá sou daquelas professoras que acha que a escola só tem um problema: ter alunos, agradeci-lhes muito e expliquei-lhes por que razão não aceitaria. Que, muito antes do orgulho, se levantava uma questão ética, mas que o facto de recusar, não retirava nada à generosidade e solidariedade do gesto que acabavam de ter. Também lhes disse que, no fim-de-semana, havia faltado a uma ação de luta, por achar que estava em falta para com eles, por não ter o mesmo tempo, a mesma disponibilidade e a mesma entrega. Ainda bem que faltei em nome de quem não me faltou até agora.
Obrigada, queridos alunos. É por isto que vocês são o único problema da escola: fazem-me sentir saudades de um lugar onde me desencontro tantas vezes. Para me reencontrar e ao meu caminho, no vosso olhar. No vosso coração bonito.

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