Brutal e verdadeiramente interessante


Este início de ano letivo estava a ser bom: um Primeiro Ministro que diz que quer os professores a ganharem mais (eu quis acreditar que mais dinheiro, mas talvez ele se referisse a outra coisa qualquer) e um Presidente da República que diz que somos os melhores professores do mundo. Uma espécie de Ronaldo das escolas, é assim que me sinto. É claro que tudo isto me motiva e me faz trabalhar mais, já com a mira na bota de ouro do ensino. Como se não bastasse tanto, tanto entusiasmo, tenho a sorte de ter alunos excelência. Pelo menos até agora, que ainda não tentei ensinar nada...
Comecei o dia a dizer aos meus petizes do 7º ano que comigo só passa quem souber o nome completo dos meus gatos, coisa que só iriam ouvir uma vez. Era vê-los a tirar apressadamente os caderninhos e as canetinhas para registarem o apontamentozinho, não fosse o diabo tecê-las. O B. até disse, “Mas eu sou holandês e ainda escrevo mal em português”. Mantive-me inexpressiva, pois gosto logo de deixar muito clarinho que comigo não se brinca. Terminada a aula, foram ter com os colegas do outro turno, que estavam a sair da aula de Matemática. Contou-me a colega R., que é pessoa discreta e nada dada ao “diz que disse”, que eles chegaram e disseram, de olhos muito arregalados: “A professora de Português é brutal!”. Ora isto caiu-me logo bem, até porque “brutal”, diz o dicionário que é algo próprio do bruto e que também pode ser desumano.
Veio o intervalo e lembrei-me que ontem, depois de um longo e terno relambório ( as aulas começaram há três dias e a ternura ainda cá canta), dei aos petizes da minha DT uma segunda oportunidade para me mostrarem a caderneta, com a convocatória devidamente assinada pelos seus Encarregados de Educação, coisa que deveriam ter apresentado naquele momento. Que sim, disseram-me eles com os olhitos, já que estavam um pouco envergonhados pelo seu incumprimento. Isto do envergonhados é aquilo em que quero acreditar, claro, afinal,“o sonho comanda a vida”. Apontei logo o nome dos incumpridores, que eu não estou para brincadeiras e hoje, à hora marcada, no sítio combinado, de ar imponente lá fui delicadamente vociferando um “obrigada por não se terem esquecido”. Eu cá nisto dos incumprimentos, reconheço, não sou flor que cheire. Já todos se tinham ido embora, reparo que uma alma penada não tinha respondido à chamada. Senti que aquilo não estava certo, mas decidi tratar do jovem depois do meu intervalo. Achava eu, pois estando à conversa com o colega P.C., aparece, não sei se caído do céu, o T.. Vinha muito à pressa para me mostrar a caderneta, conforme solicitado. Não dava com ela. Mochila no chão, vá de procurar, vá de ma dar, vá de procurar o recado “Oh, T.,, mas eu não encontro a parte dos recados...ah, está aqui, mas... T., tu nem o recado passaste, isto está tudo em branco!”, disse eu entre o espanto e a fúria. E o T. disse que não estava nada, porque no dia em que eu passei o recado ele não tinha a caderneta, e perguntava se eu não me lembrava. A fúria já tinha dado lugar ao pasmo e foi assim, pasmada, que tive com o T. o seguinte diálogo:
- Mas, oh T., então mas tu passaste o recado, onde é que está?
- No caderno de Matemática!
- Certo, então e o caderno de Matemática?
- Hoje não tenho Matemática!
Embora seja real a minha intransigência com o incumprimento, a verdade é que o jovem me mostrou a caderneta, não estava lá o que eu pretendia, mas eu talvez não me tenha explicado bem.
Depois disso, lá fui para outra aula, tudo decorreu normalmente, a estranha dança da abelha protagonizada por duas jovens, uma delas a E. e outra, cujo nome ainda não sei e depois à pergunta, o que é que o advérbio está a fazer na frase “A professora de Português é verdadeiramente fantástica”, uma jovem respondeu, convicta: “A dizer a verdade”, coisa que me fez inchar de satisfação. E assim vão os dias.




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