A manhã foi cinzenta, por isso vamos já para a
tarde, e para a altura em que, após ter almoçado, me dirigi para a escola. Ainda
fora do recinto, ouvi “olá pressora São”.
Perspicaz, percebi logo que aquilo não era para mim, por isso ignorei o
cumprimento, embora fosse, na altura, a única professora a passar. O que não
percebi é que as petizas não chamavam histericamente pela professora São.
Ouçamo-las:
- Pressora
da conjugação!! Oh pressora da conjugação!! – gritavam com as suas vozinhas estridentes.
Fiquei baralhada, que é coisa que me acontece
amiúde, mas pus-me, de imediato, à procura da relação entre a conjugação e quem eu sou. Depois de
muito, percebi que queriam dizer “coadjuvação”, já que vou, semanalmente,
coadjuvar a colega que lhes dá aulas. Nunca me tinham chamado um nome assim,
mas isto é tudo uma questão de hábito e, confesso, até nem desgostei. Por isso,
devolvi-lhes o cumprimento com um sorriso e uma mensagem, que não verbalizei,
mas que era a seguinte: “Olá alunas, cuja loucura atinge limites bem para lá de
razoáveis, embora fique um pouco aquém da loucura que tem esta vossa professora
da conjugação.” No fundo, uma espécie
de “vocês são parvas, mas eu sou muito mais.”
Disse ontem a duas das minhas turmas que, por muito
que lhes custasse, quem manda dentro da sala de aula sou eu. Mas disse-o cá com
uma calma, que os moços ficaram aparvalhados, esperando, quiçá, uma alteração
no tom da voz ou algum esbracejar de irritação. Nada disso, que eu tenho modos.
Ouvia-se o silêncio e disse-lhes que era apenas o
que queria ouvir dali por diante. Mas estava a brincar, também permito,
sobretudo agora, com a chegada dos dias invernosos, que se ouça um espirro aqui
ou ali, ou algum inesperado sorver de ranho. Está bem de ver que não lhes disse
isto, não vão eles começar a fingir constipações e termos o caldo entornado.
Que sim, diziam os pequenos, abanando a cabeça, não
se atrevendo a quebrar o silêncio exigido, por, seguramente, recearem, alguma
medida tresloucada que pudesse tomar. Depois do breve discurso, começaram a
trabalhar e, só para os martirizar, fizeram-no ao som de Vivaldi, que é para
aprenderem a ter maneiras.
Armada aos cágados, que é coisa de que também
padeço, perguntei, como quem lança um desafio impossível:
- Quem me disser quem é o compositor… - e não pude
concluir. Felizmente. Até porque tinha em mente uma oferta choruda. Ora, quem me
interrompeu foi o A., a quem vou dar a palavra:
- É Vivaldi, pressora,
“As quatro estações” e esta é a da Primavera.
Eu cá não me fiquei e disse logo, com uma voz entre
cínica e piedosa, mas mais para o cínica:
- Que pena, A., perdeste a oferta que te ia fazer…
eu só perguntei o nome do compositor…
Quanto ao resto, há a registar que a escola anda
numa roda-viva e só se fala de chouriças e de caixas. Mal entrei no bar, a Dª
V., de dedo apontado na minha direcção, vociferou, vá, disse até com alguma calma:
- A professora N. não andava a roubar caixas!
Perante uma afronta desta envergadura, não me
fiquei e respondi-lhe logo:
- Boa tarde, D.ª V.
– oferecendo-lhe o meu melhor sorriso. Depois, acrescentei que só
escrevi o que me disseram e que quem me disse ainda não negou que a professora
N. andou no “gamanço” de caixas de cartão, para fazer sabe-se lá o quê.
Aliás, D.ª V., se me está a ler, ouça o que a
professora N. disse na sala de professores a quem a quis ouvir, que não era o
meu caso, mas fui obrigada a isso, já que estava muito próxima dela:
- Já viram isto, hoje de manhã, o Sr. D.
revistou-me!
Ora, D.ª V., quando é que se revista alguém? Eu
respondo-lhe: quando há fortes indícios de que essa pessoa ande a subtrair pertences
alheios.
Ainda tem dúvidas? Pois eu cá não tenho e não
posso, não quero, nem seria justo não felicitar o Sr. D. pelo zeloso trabalho,
em prol dos bens que são de todos.
0 Comentários:
Enviar um comentário