Entrei
na sala de professores e reparei que algo estava pendurado no meu cacifo. Digo
algo, porque a falta dos óculos não me permitiu identificar, de imediato, a
chouriça que alguém, amavelmente, me havia deixado à porta.
Antes
de tudo, quis logo agradecer convenientemente tão nobre oferta. Quem foi, quem
não foi… cheguei à conclusão que aquilo só poderia ter sido uma bênção divina,
já que nenhum colega assumia a autoria do generoso delito, garantindo-me não
ter sido nenhum deles e assegurando-me desconhecer o culpado.
Imaginei
logo o mais belo querubim, sensibilizado com a lágrima incessante do meu
menino, a descer, paulatinamente, das alturas e a pendurar, com a sua
delicadeza angelical, a chouriça na porta do cacifo.
Duvidei
da N., que andava a roubar caixas de cartão, e contei-lhe das minhas suspeitas. Nem
pensar! Achas?, dizia-me com um sorriso de até posso ter sido eu
mas nunca te vou dizer.
Eis
que a L.C. me começa a fazer umas caretas estranhas, ia já a responder-lhe que
não lhe admitia aquele tipo de comportamento, quem em nada a dignificava,
quando, de uma forma mais clara, se afirmou conhecedora do autor do caso
chouriça.
-
Não me escondas nada - disse-lhe logo, satisfeita por, finalmente poder
agradecer convenientemente a oferta. E ela dizia que não, que não me esconderia
nada, que tinha sido a R.G.. Que tinha e certeza e tudo e, repentinamente,
começou a falar do estado do tempo e da chuva que nunca mais vinha. Estava a
disfarçar, porque deu entrada na sala a R.G. Dirigi-lhe a palavra, agradada, e
pus um trejeitozinho de ironia:
-
Obrigada, R.! E que bem que cheira a tua chouriça!
O
barulho que a moça fez a dizer que não tinha sido ela! Jurava a pés juntos que
nem pensar!
Ora,
comecei a sondar a D.ª F., porque essa vê tudo. Aqui vai a reprodução possível
da espécie de diálogo que mantivemos:
-
A professora, acha qué sê??
-
Acho!
- Ma
nã sê!
-
Vá lá, D.ª F., eu dou-lhe metade!
A
D.ª F. ainda hesitou, a chouriça cheirava bem… mas nada. Não se descoseu.
Bem,
aproveitei para pedir à N., que já tinha enchido o carro com as caixas
roubadas, que passasse a ferro o napperon do meu cacifo, com o
seu ferro de engomar, que trouxera propositadamente para o efeito, tarefa que
cumpriu na perfeição e que aproveitei para fotografar, de chouriça pendurada no
braço. Bem sei que se trata de uma medida ligeiramente radical, mas tive de a
tomar, pois já havia muita cobiça naquela sala.
Pensarão
que desconheço o benfeitor da chouriça. Enganam-se.
À
saída da escola, já fora de portas, junto ao carro, fui abordada por alguém,
cujo nome jamais revelarei, que me contou tudo, não sem antes me fazer jurar a
pés juntos que aquela informação ficaria apenas entre nós.
Jurei
o que tinha a jurar e, graças a isso, apresento aqui a minha gratidão à colega
N., pedindo-lhe que traga o pãozinho e a vinhaça, para que eu possa fazer um
pequeno lanche com a minha colega de cacifo.
0 Comentários:
Enviar um comentário