- Olha lá,- e eu olhei - já foste ao teu
cacifo?- e eu fui- – perguntou-me, se
a memória não me falha, a N.
Imagine-se que alguém foi ao seu
enxoval e de lá retirou o mais bonito napperon,
num inenarrável gesto de bom gosto e desprendimento, embora, por um descuido
imperdoável, não o tenha passado a ferro, invalidando, assim, tudo o que aqui
se disse a propósito do gesto que teve. Além disso, quis parecer-me, que um
leve odor a naftalina começou a pairar em toda a sala de professores.
É quadrado, o napperon, de linho, com uma delicada renda
à volta, cujo ponto hei-de tirar para levar à minha mãe querida, que muito me
agradecerá, pois poderá mostrá-lo, como troféu, a todas as vizinhas que, como
ela, fazem ao desafio, pontinhos nas
bordas dos panos de cozinha.
Começa a ter ares de lar, o meu cacifo. Digo o
meu, porque ainda não perdi a
esperança de a D., não aguentando tamanho bom gosto, decida desocupá-lo. Isso,
sim, seria uma verdadeira atitude filantrópica, mas desconfio que a D. não
pensa como eu, o que lamento.
As conversas começam a ter um
nível cada vez mais elevado, facto que muito me apraz. À roda da mesa, numa
saudável terapia cultural, entre um folhado e um limpar de beiços, discutiam-se peculiaridades
linguísticas: “A minha filha só me dá é fezes”. A frase foi proferida por uma
colega nova na escola, a quem peço desculpas por ainda não saber o nome. Mas
isso é irrelevante, pois não é dela tão distinto discurso, antes de uma senhora
que o dirigiu à prima de um amigo do irmão da colega de quarto da colega nova.
Mas a colega nova reproduziu uma coisa dessas enquanto comiam? Que
falta de educação!, pensarão. Pontos nos ii, que a colega nova tem maneiras
e muito berço. Vem do Alentejo, esse outro mundo, que é a minha terra também, e
onde uma filha dar fezes à mãe está
muito longe dessa imagem escatológica que a vossa imaginação já vos criou. Tal como em - Ai, vizinha, tantas fezes! não encontramos o espanto de duas
mulheres a olharem e a verem excrementos até ao horizonte. Ou em, Ai, mana, que fezes tã grandes, que fezes tã
grandes! não está o espanto de uma anciã ante a dimensão da sua matéria
fecal.
Apressem-se a apresentar as vossas desculpas à senhora que tinha uma
filha que só lhe dava preocupações, à vizinha que também as tinha e à anciã que
tantos desgostos a vida lhe dá.
Quanto ao napperon, agradeço-o, uma vez mais, pedindo a quem teve tão
singular gesto que se identifique, e que traga um ferro para dar conta dos vincos marcados pelo tempo. Que não me deixe nestas fezes, portanto.
Nota: confirme aqui a definição do Dicionário Priberam Alentejano.
Nota: confirme aqui a definição do Dicionário Priberam Alentejano.
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