Gosto de entrar a meio de um
bloco: desde logo, porque o corredor está vazio e posso fazer todo o percurso
como uma pessoa em pleno uso das suas capacidades mentais; depois, porque vou render
um colega e observar, condescendentemente, o seu nervosismo a arrumar os pertences
e a desculpar-se pelo atraso, por não se ter apercebido de que já estava na
hora. Que não faz mal, que acontece a todos, digo eu, o que é verdade, não
confesso é o gostinho perverso que sinto. Afinal, a causa de toda a sua agitação
é a minha pontualidade. “Britânica”, dirá o colega sobre mim até ao fim do ano
lectivo, entre o pasmo e a ironia.
(Parecendo coisa pequena, cai
sempre bem, porque assim que o boato começa é um passo até a ser a professora
mais pontual da escola. Do Agrupamento. Quiçá, da própria cidade.)
Ora tudo isto seria muito bonito,
se a C.R. não me tivesse trocado as voltas. Como não quer que eu ganhe fama de
pontual à conta do seu atraso, deixou a porta da sala aberta. Ao ver-me
aproximar, calmamente, terminou o raciocínio, despediu-se dos alunos e
sorriu-me. Notei-lhe, sim, quando passou por mim, um certo ar de vitória. Eram
11h em ponto. Retribui o sorriso, claro, mas o nosso olhar engalfinhou-se, numa
cumplicidade hostil.
À parte este episódio, pouco há a
registar: “ Nem respirem, que estou nervosa”, vi que um aluno sobre esta
associação ia colocar uma questão, só não percebi por que se calou, mal cruzámos
o olhar.
O F. e a M., a quem pedi que saíssem
na aula anterior, estiveram francamente bem. Participativos e muito cuidadosos,
tentando manter-se na sala até ao fim, o que conseguiram com grande mérito.
O V. e o N. estavam muito
agitados, parei, olhei-os, ignoraram-me, continuei parada e o V.,
simpaticamente, esclareceu-me:
- O N. atirou-me p’ra qui um
bicho morto! – apontando para uma mosca que atravessava a mesa a toda a pressa
e, depois, voluntariamente, quis parecer-me, atirou-se para o chão, numa falhada
tentativa de suicídio.
Não tive oportunidade de
intervir, pois antes que o fizesse, o N. quis esclarecer-me, dizendo que era
uma mosca viva sem uma asa. Ao que o V. respondeu: “Ah, é a mesma coisa!”
Julguei ser o momento oportuno
para explicar a importância da coerência do discurso. Neste caso, a falta dela,
já que, segundo o V., uma mosca sem uma asa é a mesma coisa que uma mosca
morta. O problema foi a metaforazinha. Afinal, muito se pode dizer sobre uma
mosca morta, eu é que não me senti com forças para isso.
Maravilhoso!
ResponderEliminar:) Obrigada, Maria, continua a parecer!
Eliminar5 estrelas!!! Ou devo dizer 5 moscas???😀
ResponderEliminarEstou viciada, eleita a minha leitura de final de dia.
Obrigada Antónia. 😙
Dina, se servir para te deixar bem disposta, boas leituras!
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