TAMPAS, ÓCULOS & TROLLEYS
A pedido de muita gente, que é como quem diz, um
petiz, cá vai uma cronicazinha. Pensarão, “tanta gente a pedir o regresso das
crónicas, realmente!” e eu notarei a ironia nesse pensamento, caros leitores, por
isso adianto já que não foi um petiz qualquer que ma pediu, foi um daqueles que
vale por muitos. E não, não venham já aqui deixar comentários que estou a fazer
insinuações relativas à dimensão corporal do jovem. Acaba-se já aqui a
conversa, até porque ninguém me pediu coisa alguma!
Depois desta graciosa introdução, há que dizer que
a minha vida na escola está um marasmo.
À parte um ou outro apontamento insignificante,
nada aconteceu digno de um registo para a posteridade.
Bem, o W. safou-se naquela aula em que o F., o
jovem mais calmo da turma, distraidamente, e para grande atrapalhação sua, projectou
inadvertidamente a tampa da caneta. Ora o W. Não esteve com meias medidas e
disse logo:
- Olha, até lhe saltou a tampa! – comentário acompanhado
por um olhar entre o vivaço e o “ai jesus, que a pressora me põe lá fora”.
A pressora
sou eu e, naturalmente séria, peguei logo num papel e, perante o ar assustado
do pequeno, que se achou na iminência de uma falta de natureza disciplinar, com
respectiva participação, devidamente registada no Inovar, escrevi “ crónica: saltar
a tampa “ e, serenamente, prossegui com a aula, justificando, assim, o chorudo
vencimento que aufiro a cada dia 23.
Como é do domínio público, perdi os óculos. Já havia
feito algumas tentativas, mas desta vez foi mesmo a sério. Lá tive de recorrer
a um modelo vintage que tinha aqui em
casa. Ora, a mudança de visual gerou uma leve onda de sorrisos, que me levou ao
comentário “não estão a resistir a tamanha beleza, não é?” e que me obrigou a
medidas drásticas, que não gosto de tomar, por não fazerem parte da minha
natureza, mas que tinham de ser tomadas, pois não gosto de distracções, ainda
que o motivo seja o meu inegável bem parecer. Então, disse logo:
- Oh C., dá-me cá os teus óculos!
A C. deu-mos de imediato, pois conhece a minha
imprevisibilidade. E além disso, já mos havia emprestado aquando de outras
vezes que os meus desapareceram. Pronto, lá estão novamente os leitores a fazer
juízos depreciativos e precipitados, “pobre jovem, coitadinha, praticamente
ceguinha”. Desde já, aborrecem-me esses diminutivos, depois, a jovem tem
miopia, tal como eu e tem a mesma graduação que a minha, mas a jovem não está a
ser paga pelo seu desempenho, logo, para ceguinha, antes ela que eu, que tenho
responsabilidades e um chorudo vencimento a justificar. Estamos entendidos?
A C. lá fechava ligeiramente os olhos, parecia
estar a querer focar o meu rosto, o que é compreensível, pelas razões estéticas
anteriormente abordadas, eu é que estava com um grande desconforto nas orelhas,
pois as hastes eram curtas. Mas à parte isso, tudo correu lindamente. É claro
que, no fim da aula, lhe pedi que fosse à óptica substituir as hastes por umas
mais longas, “ah, porque assim vão ficar-me largos”, dizia a pequena, ao que
tive lhe fazer entender que o importante era que me ficassem bons a mim.
Pareceu compreender, o que não quer dizer que ponha tal entendimento em
prática. É pena.
Ontem, enquanto me dirigia para a sala, apercebo-me
de um jovem que, de costas e em visível desequilíbrio, vinha na minha direcção.
Só tive tempo de pensar “será uma dança destas da moda?” e o bailarino em
desequilíbrio faz-me uma razia e enrola-se com Mancha mobile, caindo, mas
levantando-se num ápice e, com um ar muito atrapalhado:
- Aí, oh pressora,
desculpe lá!
Ora eu cá sou justa e o jovem não me havia feito
mal algum, então disse-lhe:
- Não é a mim que tens de pedir desculpas, é ao trolley!
Mas disse-o com uma expressão solene. Ao que o
jovem, de imediato, e com visível arrependimento, virou-se para o Mancha mobile
e disse:
-Aí, desculpe lá!
Eu estava a brincar. Mas ele não.
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