DIA 22 - A CHOURIÇA DA COLEGA N.

Entrei na sala de professores e reparei que algo estava pendurado no meu cacifo. Digo algo, porque a falta dos óculos não me permitiu identificar, de imediato, a chouriça que alguém, amavelmente, me havia deixado à porta.
Antes de tudo, quis logo agradecer convenientemente tão nobre oferta. Quem foi, quem não foi… cheguei à conclusão que aquilo só poderia ter sido uma bênção divina, já que nenhum colega assumia a autoria do generoso delito, garantindo-me não ter sido nenhum deles e assegurando-me desconhecer o culpado.
Imaginei logo o mais belo querubim, sensibilizado com a lágrima incessante do meu menino,  a descer, paulatinamente, das alturas e a pendurar, com a sua delicadeza angelical, a chouriça na porta do cacifo.
Duvidei da N., que andava a roubar caixas de cartão, e contei-lhe das minhas suspeitas. Nem pensar! Achas?, dizia-me com um sorriso de até posso ter sido eu mas nunca te vou dizer.

Eis que a L.C. me começa a fazer umas caretas estranhas, ia já a responder-lhe que não lhe admitia aquele tipo de comportamento, quem em nada a dignificava, quando, de uma forma mais clara, se afirmou conhecedora do autor do caso chouriça.
- Não me escondas nada - disse-lhe logo, satisfeita por, finalmente poder agradecer convenientemente a oferta. E ela dizia que não, que não me esconderia nada, que tinha sido a R.G.. Que tinha e certeza e tudo e, repentinamente, começou a falar do estado do tempo e da chuva que nunca mais vinha. Estava a disfarçar, porque deu entrada na sala a R.G. Dirigi-lhe a palavra, agradada, e pus um trejeitozinho de ironia:
- Obrigada, R.! E que bem que cheira a tua chouriça!
O barulho que a moça fez a dizer que não tinha sido ela! Jurava a pés juntos que nem pensar!
Ora, comecei a sondar a D.ª F., porque essa vê tudo. Aqui vai a reprodução possível da espécie de diálogo que mantivemos:
-  A professora, acha qué sê??
- Acho!
Ma nã sê!
- Vá lá, D.ª F., eu dou-lhe metade!
A D.ª F. ainda hesitou, a chouriça cheirava bem… mas nada. Não se descoseu.
Bem, aproveitei para pedir à N., que já tinha enchido o carro com as caixas roubadas, que passasse a ferro o napperon do meu cacifo, com o seu ferro de engomar, que trouxera propositadamente para o efeito, tarefa que cumpriu na perfeição e que aproveitei para fotografar, de chouriça pendurada no braço. Bem sei que se trata de uma medida ligeiramente radical, mas tive de a tomar, pois já havia muita cobiça naquela sala.
Pensarão que desconheço o benfeitor da chouriça. Enganam-se.
À saída da escola, já fora de portas, junto ao carro, fui abordada por alguém, cujo nome jamais revelarei, que me contou tudo, não sem antes me fazer jurar a pés juntos que aquela informação ficaria apenas entre nós.

Jurei o que tinha a jurar e, graças a isso, apresento aqui a minha gratidão à colega N., pedindo-lhe que traga o pãozinho e a vinhaça, para que eu possa fazer um pequeno lanche com a minha colega de cacifo.


CONVERSATION

0 Comentários:

Enviar um comentário